Mais do que no cinema e na televisão, os textos teatrais se dedicam a desnudar e investigar personagens, provocando, com isso, reflexões e catarses mais intensas e profundas. Esse olhar, que se interessa mais pela personalidade do que com as ações, é mantido na adaptação do espetáculo "Fences" para o cinema, que, no Brasil, ganhou um título de Sessão da Tarde: "Um Limite Entre Nós", que concorre em quatro indicações ao Oscar 2017.
Dirigido por Denzel Washington, que também protagoniza a adaptação e já participou do espetáculo teatral, o longa se debruça sobre o cotidiano da família de Troy (Washington), um homem que não conseguiu realizar o sonho de ser um jogador de beisebol e que se tornou um frustrado catador de lixo. Produto de uma criação muito rígida, além de ser influenciado por suas insatisfações com a vida, ele carrega toda essa rigidez na relação com a esposa Rose (Viola Davis) e os filhos.
Com o filho mais velho, Lyons (Russell Hornsby), fruto de uma relação anterior, Troy adota uma postura extremamente crítica em relação à carreira musical dele, recusando-se, inclusive, a ajudá-lo financeiramente nos momentos de dificuldade, o que só acontece por conta da generosidade de Rose. Já em relação ao filho mais novo, Cory (Jovan Adepo), o catador de lixo se mostra ainda mais rígido, com julgamentos e proibições sobre as escolhas do jovem para o futuro.
Apaixonada, Rose faz sempre o papel conciliador, tentando equilibrar e justificar as posturas adotadas por Troy e as escolhas do filho e do enteado. Além de sofrer com esses conflitos, ela é afetada diretamente pelo comportamento machista do marido em relação ao casamento, o que provoca uma crise no relacionamento. No núcleo familiar de Troy, ainda está o irmão dele, Gabriel (Mykelti Williamson), um homem com transtornos mentais que, após ficar internado por um tempo, mora em um carto alugado na região da casa da família.
Adaptado a partir da peça de August Wilson, o roteiro de "Um Limite Entre Nós" carrega uma força e uma qualidade que não estão sempre presentes no cinema. Os diálogos e as intenções são tão marcantes que, em muitas cenas, deixam o espectador vidrado na tela. As palavras, os sentimentos e as reflexões são extremamente bem colocados e preenchem muito bem cenas longas e de fôlego. Discussões sobre machismo, racismo, frustrações e relacionamentos se tornam quase "presenças materiais", tamanha é o poder que a palavra exerce sobre a narrativa.
Diante disso, a utilização dessa linguagem teatral em um produto cinematográfico torna "Um Limite Entre Nós" um filme bastante difícil, de complicada "digestão" para alguns. O texto pesado e a restrição de ação e movimento nas cenas, o que limita os acontecimentos a espaços limitados, como o de um palco de teatro, não são bem encarados por todo mundo.
Por conta desse viés teatral, o filme também se preocupa mais em desnudar a personalidade dos personagens do que em criar elaboradas sequências. Isso é potencializado com as atuações excepcionais de Viola Davis e Denzel Washington, ambos indicados ao Oscar pelos desempenhos. Completamente "dono" do personagem, o ator consegue evidenciar a complexidade de Troy a cada cena e intenção, fazendo, inclusive, precisas transições entre os momentos bonachões e ríspidos daquele pai de família. Da mesma forma, Viola está absolutamente perfeita na pela da amorosa e sofrida Rose, mais uma vez "engolindo" o espectador com aquele olhar e a força que só ela sabe deixar aflorar em frente às câmeras.
Por gostar desse caminho teatral, considero "Um Limite Entre Nós" um ótimo filme, que traz uma intensa carga dramática e uma complexa construção da história e dos personagens. Mas, reconheço que essas escolhas limitam um pouco o alcance do longa, que, a outros olhos, pode parecer muito pesado e, até mesmo pedante. No entanto, vale dar uma chance ao filme para observar um roteiro e atuações de muita qualidade.
UM LIMITE ENTRE NÓS
COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)
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