"Cinquenta Tons de Cinza" entedia com sedução clichê e roteiro previsível

Quando anunciada, a adaptação do livro "Cinquenta Tons de Cinza" causou furor, majoritariamente, no público feminino. Os eventos de euforia continuaram durante todo o processo de produção e filmagem do longa, culminando no lançamento do mesmo na semana passada. Só no primeiros dias em cartaz, quase dois milhões de pessoas já foram ver o que Hollywood fez com o best seller da escritora E. L. James. E o resultado não poderia ser mais sofrível.
"Cinquenta Tons de Cinza" conta a história de Anastasia (Dakota Johnson), uma jovem e recatada estudante de literatura que vai fazer uma entrevista com um renomado empresário. Substituindo uma amiga doente, ela vai ao escritório de Christian Grey (Jamie Dornan), um almofadinha arrogante e pretensioso que a fascina. O sentimento é correspondido e os dois passam a criar um jogo que mistura sedução e desejo.
Claramente envolvida emocionalmente, Anastasia releva todas as diferenças, muito clichês por sinal, que os separam. A jovem simples, aos poucos, entra em contato com o universo luxuoso do empresário e o relacionamento entre eles torna-se mais constante. Dizendo-se nada romântico e pouco tradicional, Grey vai revelando os aspectos peculiares de sua vida íntima, como não gostar de dormir ao lado de nenhuma mulher e de não "namorar" como as outras pessoas.
Após a assinatura de um acordo de confidencialidade, o empresário conta ser adepto de práticas sexuais que envolvem submissão e sadomasoquismo. Receosa no início, Anastasia recebe um novo contrato, dessa vez para consentir às vontades do empresário e tornar-se uma espécie de "escrava do sexo". Enquanto pensa se assina o documento, ela vai conhecendo os métodos do empresário, que envolvem açoite, algemas e, é claro, dor.
Dirigido por Sam Taylor-Johnson, "Cinquenta Tons de Cinza" tem um roteiro muito desinteressante, construído a partir de diálogos mal escritos e muito óbvios. Em alguns momentos, as "frases de efeito" de Grey provocam risinhos maliciosos nas espectadoras, que, na verdade, só reforçam o quão ridículas são as falas. Os acontecimentos são todos muito previsíveis, tornando o filme arrastado e tedioso. 
As sequências de sexo, que arrancam suspiros e euforia em parte da plateia feminina, não são nada chocantes e podem ser vistas, com frequência, até mesmo na televisão. Algumas delas, inclusive, são tão "comportadas" que similares são vistas ao montes em uma novela exibida às 23 horas. Um aspecto interessante é que, por mais que essas cenas queiram parecer transgressoras e corajosas, elas sempre soam moralistas e, até certo ponto, ingênuas. Quanto ao desejo que elas provocam, não me cabe julgar ninguém, mas acho curioso que um conteúdo tão machista, que valoriza a "mulher-objeto", estimule tanto um público que lutou, e continua lutando, para ter reconhecidos os seus desejos em uma relação. É bem verdade que essa mulher tem o direito de, se quiser, exercer um papel submisso, mas, mesmo assim, o longa provoca essa reflexão.
O tratamento dado ao sadomasoquismo do protagonista também é um fato que descredencia o filme. Ao dar a impressão que as práticas de Grey estão atreladas a traumas de infância, a história fica enfraquecida, distanciando o enredo do desejo e aproximando-o da patologia.
Centrado em um personagem que deveria ser forte, o filme é prejudicado pela atuação de Jamie Dornan, que não convence em nenhum momento, especialmente das cenas em que precisa ganhar ares sádicos e maliciosos. A própria construção do personagem talvez seja responsável por enfraquecer a história, já que não são raras as vezes em que Grey tenta chocar com palavras e conceitos, mas se contradiz com as ações. Dakota Johnson se dá melhor e empresta contornos simpáticos à personagem.
Em cartaz nos cinemas, "Cinquenta Tons de Cinza" é ruim e não impressiona em nenhum aspecto. O romance clichê, as situações previsíveis e o sexo, pretensiosamente transgressor e essencialmente moralista, não resultaram em um bom entretenimento. A má notícia é que nada disso importa e o sucesso do filme, com certeza, vai garantir que as continuações cheguem às telas. Vem mais "pornozinho comportado" por aí.


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