Mais do que uma boa história ou direção, alguns filmes são feitos para determinadas atrizes brilharem. Esse parece ser o caso de "A Senhora da Van", longa inglês do diretor Nicholas Hytner que cria mais uma oportunidade de a atriz Maggie Smith, de 81 anos, mostrar as qualidades que a tornaram uma das mais competentes intérpretes do mundo, seja qual for a plataforma.
No filme, a atriz repete o papel que fez no teatro londrino e volta a viver Mary Shepherd, uma idosa que vive pelas ruas do bairro Camden Town, na Londres dos anos 70, e mora em uma van praticamente caindo aos pedaços. A presença da sem-teto é tratada pelos vizinhos como tolerável. Por trás de um "verniz" de cordialidade e bondade com a mulher, os habitantes da via torcem para que a idosa não estacione sua van velha na porta de suas casas. No fundo, mesmo oferecendo ajuda, eles querem que ela vá embora.
O bairro de classe média alta, então, recebe o escritor Alan Bennett (Alex Jennings), um homem solitário e misterioso, que se altera em duas personalidades: uma para o dia a dia, que, mesmo relutando, precisa sair e enfrentar o mundo lá fora; e outra mais observadora, que racionaliza todos os acontecimentos e os transforma em escrita. Com claras questões a serem resolvidas com a mãe, internada em uma casa de repouso para amenizar os efeitos da idade avançada, Bennett acaba tendo que lidar com uma nova idosa em sua vida: Mary Shepherd.
No início, Bennett nutre uma incontrolável curiosidade sobre a vida daquela mulher, que, posteriormente, descobre ele, estudou piano, tentou ser freira e trabalhou como motoristas de ambulância na Segunda Guerra Mundial. Mesmo sendo rude, arrogante e rígida, a idosa passa a ser olhada com um pouco mais de compaixão pelo escritor, que acaba permitindo que ela estacione a van na garagem da casa dele.
A decisão, é claro, traz muitas dores de cabeça para Bennett, que se incomoda com a postura acomodada e, até mesmo, com a falta de higiene da velha senhora. A convivência, no entanto, acaba criando naqueles personagens um elo de confiança e afeto, que é capaz de ultrapassar a "distância regimental" imposta pela personalidade dos ingleses. Isso fez com que a estadia, que, a princípio, duraria poucos meses, perdurasse por 15 anos.
Inspirado em uma história real, "A Senhora da Van" é um filme de roteiro singelo. Inteligente, é verdade, com diálogos afiados, típicos do humor inglês, e uma boa dose de drama, mas, ao mesmo tempo, muito simples, pois não traz grandes ganchos ou recursos narrativos para conquistar o espectador de cinema blockbuster. Além disso, possui uma direção correta, o que se espera de um longa produzido no Reino Unido, bem filmado, editado e sonorizado.
Apesar de essencialmente modesto, "A Senhora da Van" cresce no resultado final por conta de um único fator: Maggie Smith. Sempre excelente, aqui, a atriz consegue algo muito difícil e arriscado, que é transitar entre gêneros opostos em um mesmo trabalho. Quando o humor é exigido, a atriz mostra um tempo de comédia perfeito, destacando o texto e a ironia necessária ao papel. Da mesma forma, quando o drama aparece, Maggie consegue passar fragilidade, angústia e tristeza na dose certa, sem qualquer afetação. É, com certeza, um trabalho impressionante.
Com todo esse espaço para a protagonista brilhar, só restava a Alex Jennings, então, a função de "escada", que serve de apoio para a estrela em cena. Correto, o ator soube imprimir o que parece ser uma forte característica do personagem: o papel de observador que ele assume na vida, privando-se do convívio social e da realização de desejos oprimidos. Funciona, também, o comportamento dúbio do escritor em relação a Mary Shepherd, já que, ao mesmo tempo que parece estar se afeiçoando a ela, ele ainda parece tratá-la com distanciamento e altivez.
Costuma-se dizer que o cinema é a arte do diretor, que seria o responsável por conduzir os caminhos do filme. "A Senhora da Van", no entanto, deixa a prova de que, mesmo isso sendo verdade, faz toda a diferença ter uma atriz como Maggie Smith no elenco, capaz de hipnotizar o espectador a cada fala dita e, ainda, emprestar "alma" a uma obra cinematográfica.
A SENHORA DA VAN
COTAÇÃO: ★★★ (bom)
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