"Conspiração e Poder" expõe discussões fundamentais sobre prática do jornalismo

No ano em que "Spotlight" foi (injustamente) consagrado como o melhor filme no Oscar, faz todo sentido que tenha surgido "Conspiração e Poder", um filme que se assemelha na temática, mas mostra uma qualidade infinitamente maior ao construir uma história envolvente e muito eficiente para a discussão da prática jornalística.
Inspirado em acontecimentos reais, retratados no livro "Truth and Duty: The Press, the President and the Privilege of Power", o longa narra a rotina de uma equipe da rede de televisão norte-americana CBS enquanto produzem uma reportagem para o famoso programa "60 Minutes". A produtora Mary Papes (Cate Blanchett) leva à direção do canal a suspeita de que o então presidente George W. Bush, naquele momento candidato à reeleição, usou a influência de seu sobrenome para não cumprir com suas obrigações militares.
A suspeita ganha força quando a produtora tem acesso a documentos oficiais que comprovariam uma possível deserção de Bush do serviço militar e de uma forte influência política no fato. A partir daí, Mary reúne uma equipe, considerada muito experiente, para correr atrás da notícia e achar quem consiga comprovar a veracidade da história. Tudo começa com quatro especialistas sendo chamados para verificar a autenticidade dos documentos, que dividem opiniões. A ausência dos papéis originais faz com que duas especialistas mostrem ressalvas, enquanto outros dois se atém ao padrão e a ortografia para cravar que os documentos eram verdadeiros.
Em seguida, a equipe parte para o lado mais trabalhoso do processo, que é encontrar envolvidos que comprovem que os superiores de Bush no serviço militar realmente presenciaram a deserção do presidente americano. À princípio, Mary encontra dificuldade em falar com uma peça fundamental do quebra-cabeça, mas, depois de muito insistir, ela consegue ouvir o que tanto esperava. A produtora também convence um governador a comprovar a influência política na transferência de Bush a uma base no estado do Alabama, coração de uma das campanhas do político.
Com tudo aparentemente amarrado e um prazo muito curto, a reportagem é produzida e levada ao ar pelo respeitado âncora Dan Rather (Robert Redford). Caindo como uma "bomba" às vésperas de uma campanha eleitoral, a história começa rapidamente a ser contestada, especialmente por blogueiros, que passam a apontar irregularidades nos padrões dos documentos e mostrar que aquilo poderia ter sido facilmente forjado no computador.
Com outros veículos de comunicação também tentando comprovar a veracidade da denúncia, a CBS passa a se dedicar a refazer o passo a passo da reportagem, checando e buscando novamente a comprovação de cada informação levada ao ar. A emissora fica em maus lençóis, no entanto, quando descobre que a origem dos documentos era falsa e que uma declaração dada por uma das fontes foi erroneamente interpretada.
A partir de um caso jornalístico muito conhecido nos Estados Unidos, que quase arruinou a credibilidade da rede CBS, "Conspiração e Poder" constrói uma narrativa instigante e saborosa sobre a importância da verificação de informações para a elaboração de uma reportagem investigativa. A qualidade do roteiro, assinado por James Vanderbilt, que faz sua estreia na direção, leva o filme a uma discussão muito mais profunda sobre o jornalismo, destacando outros debates fundamentais sobre a profissão.
Além da checagem das evidências, o filme também se empenha em debater fortes e negativas tendências do jornalismo moderno, como a cobertura de histórias a partir de informações levantadas e expostas por outros veículos e a espetacularização de aspectos secundários, que acabam deixando a notícia, de fato, relevante de lado. Além disso, abre-se uma discussão igualmente interessante sobre a influência de crenças pessoais e políticas no processo de produção de uma reportagem.
À frente do elenco, a presença de Cate Blanchett é um dos aspectos que dá força ao filme. Intensa, dura, emocional e carismática, a atriz retrata a produtora com talento e competência, facilmente identificados em seu marcante e inesquecível olhar. "Conspiração e Poder" não seria metade do que é se não fosse por Cate Blanchett. Outra presença forte do elenco é Robert Redford, que empresta segurança e simpatia ao famoso âncora que é fortemente afetado pelas consequência da reportagem levada ao ar. Sem dúvida, outra ótima interpretação do ator, que também fez história em "Todos os Homens do Presidente", outro clássico sobre o jornalismo.
Completando uma discussão, retratada em "Spotlight", sobre a verificação de informações, "Conspiração e Poder" traz aspectos mais profundos e estabelece um debate mais eficiente com o público sobre o jornalismo. O roteiro de qualidade e cheio de momentos que valorizam os fatos retratados, o que não acontece no longa vencedor do Oscar, constrói um importante registro cinematográfico sobre o passo a passo, as questões éticas e a responsabilidade, atualmente esquecida por alguns veículos e profissionais, que envolvem a publicação de uma notícia. 

CONSPIRAÇÃO E PODER

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)


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