"A Forma da Água" cria fábula sobre amor e solidão com estética impecável


Os temas não são necessariamente originais: personagens solitários, que se deparam com novos caminhos e possibilidades de vida; um amor incomum entre duas criaturas completamente diferentes; e um suspense sobre os conflitos entre russos e norte-americanos em plena Guerra Fria. Todos essas histórias já foram exploradas em comédias, filmes de guerra e, até mesmo, em tramas de terror. Há, no entanto, algo especial em "A Forma da Água", recordista de indicações ao Oscar 2018, que usa todos esses enredos para construir uma fábula "de encher os olhos".
Escrito e dirigido pelo mexicano Guillermo del Toro, o filme gira em torno da faxineira Elisa (Sally Hawkins), que trabalha em um laboratório do governo norte-americano durante a Guerra Fria. Ameaçados pelos russos, os profissionais que ali trabalham buscam uma forma de superar os inimigos e vencerem o conflito. No intervalo desses testes, surge a protagonista, sempre acompanhada pela amiga Zelda (Octavia Spencer), para limpar a sujeira deixada pelos cientistas.
Em uma dessas oportunidades, Elisa descobre que uma estranha e aparentemente feroz criatura está sendo mantida no laboratório para testes. Parte homem, parte peixe, parte réptil, o "monstro" é considerado um "deus" das águas e foi capturado na Amazônia para servir como uma vantagem contra os russos.
Sobrevivendo em tanques no laboratório, a criatura é vitima da violência dos homens, especialmente do agente Richard Strickland (Michael Shannon). A empatia e a vulnerabilidade do "monstro" fazem com que Elisa se aproxime dele, construindo uma relação de confiança e, posteriormente, amor. Todo o contanto entre eles é baseado em uma relação não-verbal, uma vez que a protagonista é muda e a criatura só passa a entendê-la através da linguagem de sinais.
O amor incomum pela criatura faz com que Elisa deixe uma rotina entediante para trás, se dedicando a salvar o ser do laboratório. Para isso, ela conta com a ajuda de Giles (Richard Jenkins), um vizinho igualmente solitário que tenta sobreviver de suas ilustrações em um mercado publicitário que começa a se render aos encantos da fotografia.
Não é nenhum exagero chamar "A Forma da Água" de fábula, já que essa parece mesmo ser a intenção do roteiro e da direção lúdica de Guillermo del Toro. Utilizando elementos fantásticos e alegorias, a narrativa usa a relação incomum de Elisa e a criatura aquática para falar de amor, conceitos de beleza e preconceito. Não foi à toa que, neste texto, sempre me referi ao ser misterioso do laboratório como um "monstro", assim mesmo, entre aspas. Assim como em clássicos como "A Bela e a Fera", "King Kong" e alguns filmes de vampiros, a história quer falar sobre julgamentos e aparência. Será que o monstro é a criatura, julgada pelo que parece, ou o homem, que esconde o que é?
Ao mesmo tempo, o filme fala sobre solidão ao colocar, no centro da cena, personagens que vivem solitários e encontram novos caminhos a partir daqueles acontecimentos. Apesar da companhia um do outro, Elisa e Giles vivem completamente excluídos e sós. Enquanto a protagonista é "invisível" aos olhos de todos, especialmente por ser muda, o vizinho se "exila no armário" em tempos em que ser gay era algo mal visto. Da mesma forma, Zelda e a criatura aquática também vivem "mergulhados" em suas solidões.
A abordagem bonita e sutil dessas questões, além das boas construções dos personagens, fazem com que o roteiro funcione e conquiste o espectador, mesmo diante de histórias já contadas em outras fábulas por aí. O toque especial de "A Forma da Água", no entanto, é dado pelo diretor, que convida quem assiste a uma viagem estética arrebatadora, formada por elementos que não deixam de ser uma homenagem ao cinema e à magia provocada pela sétima arte. Com pouca computação gráfica, o cineasta cria um cenário lúdico e perfeito para tornar a fábula crível. Para isso, ele também conta com a bela trilha sonora de Alexander Desplat, reconhecido pelo Oscar com uma indicação pelo trabalho.
Se cabe uma crítica, que talvez não possa ser considerada como tal e seja mais uma constatação, é que o filme não possui a força necessária para continuar na cabeça do espectador por muito tempo após os créditos finais. Os efeitos da obra são imediatos e duram pouco mais do que as duas horas da história, dificilmente persistindo além disso na mente de quem assiste.
Entre as atuações, Sally Hawkins se destaca pela habilidade de conduzir a empatia do público pela protagonista. Michael Shannon, mais uma vez, chama atenção como o "vilão" da história, papel já feito por ele em outras oportunidades, mas sempre com precisão. Richard Jenkins e Octavia Spencer também devem ser lembrados, assim como Doug Jones, apesar de ter o trabalho mais "protegido" pela caracterização da criatura.
Após ver "A Forma da Água", não é difícil entender os motivos da Academia de Hollywood para indicar o filme a treze prêmios no Oscar. Ainda que tenha que enfrentar o crescente apoio a "Três Anúncios para um Crime" na categoria principal, a obra de Guillermo del Toro já ganhou destaque pela bela construção de uma fábula de amor e solidão, que se torna ainda mais poética com a estética lúdica que preenche a tela e os olhos do público.

A FORMA DA ÁGUA

DATA DE LANÇAMENTO: 1 de fevereiro

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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