Zona de conforto de Steven Spielberg impede "The Post" de ser um grande filme

Sem sombra de dúvida, Steven Spielberg é um colecionador de sucessos e, claramente, não faltam a ele elementos para construir histórias que agradem o grande público. Há algum tempo, no entanto, o cineasta parece interessado apenas em fazer o trivial, preso a uma "fórmula" básica para apresentação de enredos e personagens. O último filme dele, "Ponte de Espiões", já escancarava isso, mas a verdade é que isso já vem de antes. Agora, em "The Post - A Guerra Secreta", o diretor tinha uma grande história nas mãos, mas perdeu a oportunidade de fazer um filme forte e inesquecível.
"The Post" começa apresentando a rotina de trabalho da equipe de repórteres do The Washington Post, que, no início dos anos 70, ainda tentava se libertar do rótulo de jornal local. Quando o The New York Times traz uma reportagem que envolve documentos que revelam mentiras do governo sobre a Guerra do Vietnã, o editor-chefe Ben Bradlee (Tom Hanks) se agita para tentar conseguir um furo de reportagem semelhante e, por isso, pede que a equipe encontre uma forma de ter acesso aos documentos.
A revelação dos papéis, que indicavam ações do presidente Richard Nixon e de governantes anteriores em relação ao conflito, provocam uma forte reação do governo contra o The New York Times e a imprensa como um todo. Usando a Lei de Espionagem como argumento, a Casa Branca consegue impedir judicialmente que o jornal publique mais reportagens sobre o caso. Já com os documentos em mãos, a equipe do The Washington Post começa a preparar matérias sobre o tema, mas é atingido pela insegurança causada pela decisão da Justiça.
Enquanto os documentos são analisados e a reportagem é escrita, Bradlee trabalha no convencimento da dona do jornal, Kat Graham (Meryl Streep), para a publicação do conteúdo. Além de os papéis envolverem um amigo pessoal dela, Kat também se vê pressionada pelo conselho do jornal a não publicar o conteúdo, para não criar problemas com o governo na mesma época em que as ações da empresa entraram na Bolsa de Valores.
Com roteiro de Liz Hannah e Josh Singer, "The Post" é baseado em uma relevante história real, que gera discussões interessantes sobre liberdade de imprensa. Fica claro que a narrativa tem a intenção de mostrar a importância de mostrar diferentes visões sobre a decisão de publicar ou não uma reportagem, passando pelo olhar do editor, que vê a oportunidade de assumir o protagonismo da questão; dos repórteres, que querem e fazem pressão para revelar a verdade escondida pelo governo; e da dona do jornal, desafiada pelo conflito entre o dever jornalístico e as implicações que isso pode trazer para a empresa.
Além disso, o roteiro também apresenta, em segundo plano, uma discussão sobre a figura e o espaço dado às mulher na época. Através da personagem de Meryl Streep, vemos a forma como um ambiente predominantemente masculino menospreza e duvida das decisões da empresária, que chega ao comando do jornal após a morte do marido. Ao mesmo tempo, a atriz Sarah Paulson vive a esposa de Ben Bradlee, que é reduzida aos ambientes domésticos, mas consegue contribuir com uma visão diferente para a empreitada do marido.
As discussões sobre ambos os temas se mostram muito relevantes para os dias de hoje e poderiam ecoar com mais força ao saírem das telas. Isso, no entanto, não acontece. O primeiro fator para isso é o próprio roteiro, que, apesar dos bons assuntos, recorre a alguns clichês e soluções fáceis que enfraquecem o impacto da obra. Em determinadas cenas, é possível prever o que vai ser mostrado, tamanha a obviedade da condução narrativa.
O grande responsável pelo "arroz com feijão" de "The Post" é Steven Spielberg, que parece estar apresentado ao público um filme que todo mundo já viu. Enquadramentos, a direção dos atores e a construção dos sentimentos que sustentam a história não fogem do trivial e impedem que o longa se apresente como uma obra mais relevante. Fica parecendo que Spielberg segue uma "cartilha" com conceitos básicos de criação, deixando de lado opções que poderiam valorizar mais a narrativa.
Ao lado de um diretor acomodado, no centro da cena está um ator igualmente focado no básico. Mais uma vez, Tom Hanks deixa a impressão de estar pouco interessado e envolvido na história que está sendo contada. A falta de interesse revela um já conhecido canastrão, que se apoia em caras e bocas para tentar simular os sentimentos. Diante disso, quem se agiganta é Meryl Streep, que mostra total domínio sobre a personagem, entendendo os momentos em que precisa mostrar fragilidade, indecisão e força. A atriz valoriza as cenas e consegue monopolizar as atenções. Outros atores do elenco, como Bob Odenkirk e Sarah Paulson, são pouco aproveitados.
Indicado a dois Oscars, incluindo melhor filme e atriz, "The Post - A Guerra Secreta" tinha um visível potencial para ser um grande filme, mas acaba sendo só mais um. Básico na narrativa e na construção dos sentimentos, o longa é facilmente esquecível horas depois da sessão, mesmo que alguns detalhes tenham se sobressaído. Spielberg pode ter feito um filme grande, quando se fala em tamanho de produção, mas esqueceu de se esmerar da mesma forma no conteúdo, algo que está se tornando recorrente na obra dele.

THE POST - A GUERRA SECRETA

COTAÇÃO: ★★ (regular)

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