Desde a produção até o lançamento de "Pantera Negra", o mais recente filme do universo cinematográfico da Marvel, muito se falou sobre a ousadia do elenco majoritariamente negro, da importância das personagens femininas e das mudanças pelas quais os longas de super-heróis podem passar após a obra. Todos esses temas são discussões pertinentes, mas o filme vai além e usa a popularidade do gênero para fazer o espectador pensar e confrontar os caminhos do mundo em que vivemos.
Dirigido por Ryan Coogler, "Pantera Negra" começa com a ascensão de T´Challa (Chadwick Boseman) ao trono de Wakanda, um reino africano infinitamente mais desenvolvido do que aparenta aos olhos do mundo. Para assumir o lugar do pai, T´Challa volta para casa para participar do ritual de coroação, que envolve um desafio físico com representantes de tribos locais e uma epifania espiritual, guiada pelo sábio Zuri (Forest Whitaker).
Logo após a coroação, T´Challa se depara com o primeiro desafio no posto: encontrar e capturar Ulysses Klaue (Andy Serkis), um bandido que, décadas antes, roubou vibranium de Wakanda. O vibranium é um metal considerado o mais resistente do mundo e serve de base para toda a tecnologia usada no reino, seja para saúde, transporte ou armas. Ao lado de Nakia (Lupita Nyong´o) e Okoye (Danai Gurira), o rei, que carrega os poderes do Pantera Negra, participa de uma perseguição frenética a Klaue, mas não consegue cumprir a promessa de prender o criminoso.
No roubo do vibranium, Klaue é ajudado por Erik Killmonger (Michael B. Jordan), que, escondendo sua origem, trai o comparsa para voltar a Wakanda e revelar um segredo que permite a ele reivindicar o trono, ameaçando a paz do reino e a forma como aquele povo se posiciona perante o mundo.
"Pantera Negra" é um entretenimento de qualidade, que explora as melhores característica dos filmes de heróis, com cenas de ação empolgantes e efeitos convincentes. Mas, há um fator que torna esse longa diferenciado. Usando todos os elementos do gênero, a produção tem a coragem de carregar um subtexto poderoso, que transmite uma importante e necessária mensagem política para o mundo. Wakanda é um reino de terceiro mundo que esconde seu desenvolvimento de outras nações e, com chegada de T´Challa ao trono, começa a discutir os benefícios que outras partes do globo poderiam ter com a tecnologia desenvolvida ali. Com isso, o roteiro estabelece um debate importante sobre o olhar para refugiados e as formas como os países têm se comportado em relação aos outros. O muro de Donald Trump para impedir a entrada de imigrantes; o movimento a favor do Brexit, no Reino Unido; e a disputa entre nações por uma soberania bélica, que envolve, inclusive, armas com poder de destruição em massa; tudo isso surge como reflexão na cabeça do espectador.
A raiva que parece mover o mundo nos últimos tempos também está presente no filme. Killmonger reivindica o trono de Wakanda e a chegada ao poder revela ódio, tirania e violência. O vilão, abandonado em um mundo cruel, racista e bruto, escolhe agir da mesma forma contra as adversidades e, com isso, se torna parte do problema, não da solução. Depois de tentar justificar suas ações, é confrontado com a realidade: "Talvez você tenha se tornado um deles".
O longa também fala sobre racismo e a importância de ultrapassarmos a barreira do preconceito. O roteiro carrega uma importante abordagem para essa questão, que envolve a ideia da igualdade entre as pessoas e de não ignorar as crueldades cometidas no passado, mas olhar e lutar pelo futuro com firmeza, respeito e humanidade. Afinal, somos todos da mesma tribo, outra das mensagens da história.
O roteiro de "Pantera Negra" é redondo e consegue criar tipos cheios de personalidade. Mesmo escolhendo caminhos previsíveis, é inegável dizer que, assim como na dramaturgia clássica, os conflitos envolvendo família, poder e jornada do herói se justificam e funcionam perfeitamente, sem esquecer, com isso, o lado de entretenimento do longa. A música é muito importante para a atmosfera criada e é bem sincronizada com as sequências de ação e drama.
Além da relevância de mostrar a cultura ancestral africana, ter um elenco majoritariamente negro é algo muito oportuno para o mercado de cinema, especialmente em Hollywood. Em meio a discussões sobre desigualdades salariais e de oportunidades, "Pantera Negra" é um importante recado sobre a aposta no talento e na representatividade.
"Pantera Negra" merece ser classificado como o melhor filme da Marvel até agora, mas, como já dito no início, vai muito mais longe. Lançado em um momento oportuno, o longa, além de um ótimo entretenimento, não se furta do debate e mostra coragem para confrontar o mundo em que vivemos, propondo um alerta sobre os caminhos que estamos percorrendo e uma inspiração para fazermos dele um lugar melhor. "Wakanda para sempre", mostrado como o grito de um povo que luta e valoriza suas raízes, é, na verdade, um apelo: Wakanda para sempre e para todos, por favor.
PANTERA NEGRA
COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)
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