"A Balada de Buster Scruggs" cria universo coeso e reúne o melhor do estilo dos irmãos Coen

Em uma indústria determinada por padrões e "fórmulas" que almejam o sucesso, como é o cinema, especialmente aquele feito em Hollywood, alguns diretores seguem se destacando por imporem um estilo próprio e, de uma forma geral, construírem universos ficcionais muito mais ricos do que as obras feitas em série pelo mercado cinematográfico. Dois dos exemplos mais atuantes dessa proposta são os irmãos Joel e Ethan Coen, parceiros na criação de filmes muito particulares, como "Fargo" e "Onde os Fracos Não Têm Vez", e, por isso mesmo, que fazem toda a diferença em meio a tantos lançamentos genéricos. Agora, eles voltam a destacar esse jeito peculiar e inspirador de fazer cinema com "A Balada de Buster Scruggs".
Lançado no serviço de streaming Netflix e vencedor do prêmio de melhor roteiro do Festival de Veneza, o novo filme dos irmãos Coen volta ao Velho Oeste, cenário de outras obras dos cineastas, mas, agora, com uma proposta de criar um universo coeso a partir de seis histórias distintas, tanto na forma como no conteúdo, explorando e subvertendo alguns clichês do gênero, sempre com inteligência e uma dose de surpresa, duas das características mais marcantes dos diretores.
Em formato de antologia, com histórias que se resolvem rapidamente e dão lugar a outras, o filme começa com o conto que dá nome à produção, "A Balada de Buster Scruggs". Explorando a veia musical que o gênero sempre teve como marca, o longa nos apresenta Buster Scruggs (Tim Blake Nelson), um pistoleiro falastrão e autoconfiante que faz da cantoria uma parceira enquanto viaja por cenários desérticos e cânions do Velho Oeste. Imediatamente, com humor e uma inesperada violência, o personagem conquista a atenção do espectador e direciona a narrativa para uma sátira de obras de faroeste Spaghetti.
O tom da primeira história rapidamente fica para trás com "Near Algodones", o segundo e, também, o mais fraco dos contos que constroem o longa. Protagonizada por James Franco, a narrativa mostra um bandido interessado em roubar um banco isolado no deserto, mas que é surpreendido por uma sucessão de erros de cálculo sobre o plano.
Assumindo um aspecto de fábula melancólico, o filme segue com "Meal Ticket", trama sobre um homem explorado como "atração" inusitada de um show que viaja o Oeste. O personagem, vivido por Harry Melling, imprime sensibilidade e tem o desfecho mais triste da antologia, especialmente após a atitude tomada pelo companheiro de viagem dele, interpretado por Liam Neeson.
A melancolia se transforma quase que em uma poesia em "All Gold Canyon", história sobre a ilusão causada pela cobiça de um homem (Tom Waits), que chega para interromper a paz da natureza em busca de um tesouro, aparentemente desejado ao longo de toda uma vida. Para essa narrativa, o silêncio é parte fundamental para a construção da intenção do roteiro, que assume um papel de fábula, mesmo tendo o estilo marcante dos Coen impresso nela.
O penúltimo conto, "The Gal Who Got Rattled", traz Zoe Kazan como uma viajante que segue uma caravana, ao lado do irmão e do cachorro. Na travessia, a jovem acaba sozinha e endividada, se apoiando emocionalmente em Billy Knapp (Bill Heck), que faz a escolta da caravana ao longo do trajeto. Ao melhor estilo dos diretores, a trama constrói afeto e esperança na mesma medida em que confronta o espectador com desilusão e tragédia.
O filme termina com "The Mortal Remains", história que se destaca pelos personagens e diálogos inspirados. Em um clima de suspense tenebroso, uma diligência viaja, no meio da noite, em direção a uma cidade, levando cinco pessoas rumo a um destino incerto, que não fica esclarecido nem mesmo ao espectador. Destaque para as atuações de Jonjo O´Neil, Brendan Gleeson e Tyne Daly.
Diferentes entre si, as seis histórias de "A Balada de Buster Scruggs" conseguem atingir uma difícil e pretendida unidade, muito por conta dos diálogos inteligentes e saborosos dos irmãos Coen, que também escrevem o filme. Usando características sempre presentes nas obras deles, como humor negro, violência e desfechos inesperados, o longa explora clichês do gênero e, não se contentando com isso, ainda subverte o estilo. A proposta resulta em um universo particular, inspirado e coeso, também sustentado pela fotografia de cores marcantes, que distinguem cada um dos contos.
O que mais me encanta na obras dos irmãos Coen, que também está presente na antologia, é a capacidade dos diretores/roteiristas na criação de personagens, o que faz toda a diferença em uma indústria dominada por tipos "inspirados em histórias reais". Carismáticos, melancólicos e caóticos, entre tantas outras características, os personagens "preenchem" a tela e criam um prazer especial para as narrativas.
Apesar de já ter sido mostrado de diversas formas pelo cinema, o Velho Oeste, arrisco dizer, nunca foi retratado como em "A Balada de Buster Scruggs", nem mesmo em outras obras do gênero dos próprios diretores. Apesar de ser composto por seis histórias diferentes, "A Balada de Buster Scruggs" atinge uma unidade das mais interessantes, amparada pela inteligência e o gosto pelo inesperado dos irmãos Coen, que dão ao espectador mais um grande prazer cinematográfico.

A BALADA DE BUSTER SCRUGGS

ONDE: Netflix

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)

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