Os melhores filmes da década


Parando para pensar, é curioso o quanto uma vida pode mudar em uma década, ainda mais com a percepção de tempo que temos hoje, quando o dia a dia parece voar. Assim também foi o cinema nos últimos dez anos. Nesse período, a sétima arte experimentou uma série de mudanças, muitas das quais ainda estão em curso e gerando discussões nesse mercado.
Do ponto de vista artístico, entre 2010 e 2019, vimos a consolidação dos filmes de super-herói, que deixaram de ser considerados produtos inferiores para ganhar protagonismo em Hollywood e dominar as salas de projeção no mundo todo. A ascensão desses longas gerou debates sem sentido sobre o que é ou não cinema, ainda que seja importante a reflexão sobre o espaço dado a essas produções. Curiosamente, não escolhi nenhum filme desses para a lista a seguir, mas isso não quer dizer que o gênero não tenha sido relevante nesse período.
O modo de ver cinema também mudou nos últimos dez anos. Vimos vários longas figurarem entre os recordistas de bilheteria de todos os tempos, mas a popularidade das plataformas de streaming chegaram para levar os filmes para outros dispositivos, como os celulares, o que gerou receios da indústria tradicional.
Voltando ao campo criativo, além das histórias de super-heróis, foram dez anos de muitas adaptações literárias ou longas baseados em fatos ou personalidades. A originalidade esteve presente, ainda que em menor quantidade. Aqueles que apostaram nessa ousadia, no entanto, se sobressaíram diante das repetições.
Foram tantos bons filmes em uma década que, confesso, foi muito difícil fazer essa lista. Mudei de ideia várias vezes, aumentei o número de longas, depois reduzi, determinei dez e, então, ficaram quinze. Agora, vamos ao ranking dos melhores desses período antes que eu mude mais uma vez.

15) Amor (2012)

O drama do diretor Michael Haneke não é apenas um filme, é um soco bem dado no estômago, que deixa o espectador sem respirar por um tempo. Os atores Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva vivem um casal de idosos muito apaixonado, mas que enfrenta momentos difíceis diante de uma doença. Anne (Emmanuelle) passa a necessitar de cuidados permanentes do marido Georges (Trintignant), criando uma rotina sofrida para ambos. O idoso, então, decide tomar uma atitude para acabar com o sofrimento da esposa. "Amor" ganha uma narrativa crua e muito emocionante pelas mãos de Haneke, que conduz a história de uma forma que é praticamente impossível não chorar com o desfecho, tamanha a força dessa que é história de amor, por mais que não pareça.

14) Birdman (ou A Inesperada Virtude da Ignorância) (2014)

O mexicano Alejandro González Iñarritu levou o Oscar com uma visão crítica e inteligente sobre a indústria do entretenimento, mas especificamente sobre os conflitos entre os aspectos artísticos e os padrões impostos pelo mercado. Isso é discutido a partir da crise de um ator de meia idade, que tenta voltar aos holofotes depois de decidir não interpretar mais um super-herói de sucesso. Na busca por ser o foco das atenções novamente, o intérprete discute seus conflitos internos com Birdman, o papel que deixou de fazer no cinema e que funciona como alter-ego. Com um ótimo elenco, encabeçado por Michael Keaton, Iñarritu constrói uma trama hipnotizante, conduzida a partir de uma câmera inspirada.

13) O Abutre (2014)

Jake Gyllenhaal vive um homem ambicioso e sem escrúpulos em "O Abutre", filmes escrito e dirigido por Dan Gilroy. Em dificuldades financeiras, o personagem enxerga uma oportunidade de entrar para o jornalismo policial ao fazer imagens de crimes e acidentes para vender a um telejornal sensacionalista. Sem nenhum comprometimento com a ética da profissão, ele mostra não ter limites para subir na carreira a ponto de forjar fatos para ter as melhores cenas para comercializar. Gilroy prende o público com um filme tenso e surpreendente, que, com frequência, deixa o espectador de boca aberta.

12) O Lagosta (2015)

Se essa fosse uma lista dos diretores mais originais da década, com certeza, o nome do grego Yorgos Lanthimos teria merecidamente um espaço. O diretor é perfeito em criar histórias que, parecendo absurdas, carregam importantes críticas sociais. Isso acontece em "O Lagosta", filme que o tornou mais célebre no mundo. Na trama, ambientada em um futuro próximo, uma lei proíbe as pessoas de ficarem solteiras, o que faz David (Colin Farrell) ser enviado a uma espécie de retiro com o intuito de encontrar uma parceira. Se isso não acontecer, ele é transformado em um animal. Com essa história estranha, Lanthimos critica o senso comum, que não vê possibilidade de alegria em uma vida que fuja das convenções dos relacionamentos amorosos, mesmo que eles não sejam realmente verdadeiros.

11) Selma (2014)

Martin Luther King se transformou em uma figura importante em todo o mundo, mas poucas pessoas fora dos Estados Unidos conheciam um dos episódios mais inspiradores do qual ele fez parte antes de "Selma", filme da diretora Ava Duvernay. Lutando contra o preconceito e a intolerância, King liderou uma marcha no Alabama, estado majoritariamente racista, para garantir o direito de voto aos negros. Conduzindo uma narrativa forte, Ava Duvernay constrói uma trama quase documental e que valoriza a importância da luta por igualdade de direitos, algo que, ainda nos dias atuais, precisa ser reforçada.

10) O Insulto (2017)

Poucos filmes puderam retratar um período da década que chega ao fim como "O Insulto", filme que, em um primeiro momento, foca em uma realidade muito particular, mas que logo revela suas características universais. A agressão verbal de um libanês a um refugiado palestino acaba provocando um movimento de intolerância e violência que vai além das pessoas envolvidas na briga particular, expondo rixas históricas e a ignorância do preconceito. "O Insulto" é um espelho do mundo nos últimos anos, que mostra a incapacidade crescente das pessoas em ouvir, entender e respeitar as diferenças. Mais do que ótimo, esse é um filme necessário.

9) O Irlandês (2019)

O cineasta Martin Scorsese lançou filmes excelentes nos últimos dez anos, mas deixou uma verdadeira obra-prima para o fim da década. "O Irlandês" dá um passo além no subgênero dos filmes de máfia, universo que o diretor domina. Aqui, ele mostra um olhar amadurecido ao ressaltar as consequências das escolhas daqueles que se envolvem nesse meio do crime. Porém, não se engane ao pensar que "O Irlandês" é só sobre isso. O filme parece dialogar diretamente com a carreira e as escolhas feitas por Scorsese, especialmente no que diz respeito aos temas discutidos pela produção, como lealdade e finitude.

8) Django Livre (2012)

Só a ousadia e a criatividade de Quentin Tarantino poderiam resultar em um filme como "Django Livre", uma mistura formada por elementos do faroeste e das principais características da obra do cineasta. A história do ex-escravo que se une a um caçador de recompensas para resgatar a esposa, mantida presa por um fazendeiro sádico, tem um roteiro impecável e usado com precisão para tocar em feridas deixadas pela escravidão nos Estados Unidos. Além disso, conta com um elenco afinado, encabeçado por Jamie Foxx, Christoph Waltz, Samuel L. Jackson e Leonardo DiCaprio. Arrisco dizer que "Django Livre" é o melhor longa-metragem da filmografia de Tarantino.

7) Ela (2013)

História futurística do diretor Spike Jonze, "Ela" mistura romance e ficção científica para discutir as interações sociais e os limites entre os mundos real e virtual. O ator Joaquin Phoenix vive um escritor sofrendo por uma separação e que encontra consolo na voz de um sistema operacional, que desperta nele uma nova paixão. O personagem fica encantado com a atenção que aquela voz dá a ele, sem fazer a reflexão se todo esse sentimento é verdadeiro ou vem apenas de uma vontade desmedida por afeto. Phoenix é fundamental para o sucesso do filme, equilibrando os momentos de melancolia e euforia do personagem.

6) Infiltrado na Klan (2018)

O vigor do discurso contra o preconceito do diretor Spike Lee ganhou um equilíbrio perfeito com o entretenimento em "Infiltrado na Klan", longa que usa um acontecimento real, do fim da década de 70, para dialogar com o tempo que vivemos. O roteiro bem construído conta a história de um policial negro que decide se infiltrar na Ku Klux Klan, grupo que defende a supremacia branca com discriminação e violência. A inteligência da trama cria assustadoras associações com a nossa realidade e mostra que o discurso de combate ao preconceito ainda precisa ser defendido, especialmente nesse momento em que a sociedade parece dar alguns passos para trás.

5) Roma (2018)

A beleza da rotina de uma empregada mexicana, que trabalha para uma família de classe média alta é destacada pelo olhar do diretor Alfonso Cuarón em "Roma", que criou uma das estéticas mais marcantes da última década. Logo no início, quando a câmera acompanha as tarefas de Cleo (Yalitza Aparicio), fica claro que o cineasta quer impressionar os espectadores com um deleite visual. Todo em preto e branco, "Roma" mergulha o público no dia a dia da empregada e da família dos patrões, focando nos sentimentos, mas, também, querendo discutir política e diferenças sociais. "Roma", sem nenhum exagero, é uma aula de cinema.

4) Whiplash (2014)

Sangue, suor e lágrimas. São, literalmente, elementos presentes na vida do jovem Andrew (Miles Teller), que queria ser o melhor baterista de todos os tempos. Nessa trajetória, ele encontra o maestro Terence Fletcher (J.K. Simmons), que acredita que abusos físicos e verbais podem construir um grande músico. Para contar a história de "Whiplash", o diretor Damien Chazelle impõe um narrativa rítmica e muito precisa, que usa a câmera e a trilha sonora para criar sequências angustiantes e muito envolventes. O trabalhos dos atores é parte fundamental nessa produção que destaca o sofrimento, a paixão e o esforço para atingir a perfeição.

3) Três Anúncios para um Crime (2017)

Na categoria de filmes que conseguem dialogar com os dias atuais, "Três Anúncios para um Crime" tem um papel de destaque na última década. Escrito e dirigido por Martin McDonagh, o longa usa a raiva de Mildred Hayes (Frances McDormand) para discutir os tempos extremos que estamos vivendo, com polarização de discursos e demonstrações de ódio. Revoltada com a ineficiência da polícia em descobrir o responsável pela morte de sua filha, Mildred desencadeia, sem querer, um inevitável efeito dominó em pessoas que nem estão diretamente envolvidas com o caso. Mesmo sem nem citar a internet, "Três Anúncios para um Crime" também parece refletir o ambiente das redes sociais, repleto de extremismos e preconceitos.

2) La La Land (2016)

Depois de "Whiplash", Damien Chazelle seguiu trabalhando com um cinema muito influenciado pela música. "La La Land" é uma homenagem aos clássicos musicais de Hollywood, mesclando a atmosfera de sonho dessas obras com aspectos bem realistas, como as dificuldades enfrentadas na busca pela realização artística. Com cores vibrantes e músicas que costuram a história de maneira inteligente, o filme também mostra que, muitas vezes, um grande amor não está alinhado com os objetivos profissionais. Homenageando os grandes longas do gênero, "La La Land" é esteticamente deslumbrante e tem uma das histórias de amor mais bonitas dos últimos anos, o que não implica, necessariamente, que ela acabe como a maioria dos clichês do gênero.

1) Mad Max: Estrada da Fúria (2015)

Depois de 30 anos do lançamento de "Mad Max - Além da Cúpula do Trovão", o diretor George Miller decidiu lançar "Estrada da Fúria", o quarto filme de uma série, até então, protagonizada por Mel Gibson e considerada mais cult do que popular. O cineasta mostrou, com a produção, que tinha muito a acrescentar naquela história e, em apenas um longa, mostrou que a franquia tinha condições de ser muito relevante para o cinema. A estética apurada e pós-apocalíptica resgatou o motorista amargurado e acrescentou novos personagens a um universo onde a água vale mais do que qualquer outro recurso e é usada para ter poder. Miller usou a computação gráfica pontualmente, mas preferiu investir em efeitos práticos e cenas de ação de tirar o fôlego. "Mad Max: Estrada da Fúria" é cinema do mais alto nível, daqueles que cria cenas impecáveis e icônicas.

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