O ano de 2019 pode não ter sido dos melhores em diversos aspectos, mas o cinema não tem do que reclamar sobre as produções lançadas nesse período. De campeões de bilheteria nas telonas a sucessos populares no streaming, boas histórias chegaram ao público.
É preciso destacar a importância que o streaming conquistou no ano que chega ao fim. Muitos dos favoritos na próxima temporada de premiações foram lançados nessas plataformas, o que abriu novamente discussões sobre a forma de consumir essas produções, mudanças que ainda são feridas abertas para os que defendem o "cinema tradicional" como a única possibilidade de sétima arte que pode existir.
Independente dessa discussão, é importante destacar as qualidades dos filmes que foram lançados em 2019, não só por Hollywood, mas também por outros mercados que vão ganhando cada vez mais espaço, como Brasil e Coreia do Sul. Dito tudo isso, vamos aos melhores filmes desse ano:
- O Irlandês
Não é exagero nenhum dizer que o diretor Martin Scorsese lançou, em 2019, uma obra-prima do cinema. Responsável por vários filmes sobre a máfia, o cineasta apresentou um novo olhar sobre o tema, que vai muito além dos demais longas do gênero. Procurando destacar os seres humanos que sobrevivem a esse ambiente, Scorsese usou o mundo de crime para discutir questões como lealdade e finitude, reflexões, inclusive, que parecem fazer sentido para a carreira do diretor. Além de uma ótima história, o cineasta valorizou uma trinca de atores e parceiros de longa data: Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino, todos em desempenhos excepcionais. "O Irlandês" é cinema em potência máxima, ainda que a disponibilização no catálogo da Netflix permita que ele vá muito além das telonas.
- História de um Casamento
A capacidade do ser humano em complicar relacionamentos está no centro do belíssimo "História de uma Casamento", do diretor Noah Baumbach. O filme mostra um casal em processo de separação que deixa de verbalizar sentimentos e não consegue lidar com a transformação deles, mesmo fazendo promessas de cordialidade. Os personagens de Scarlett Johansson e Adam Driver também retratam como dois projetos individuais, muitas vezes, não cabem em uma vida conjugal, o que acaba gerando frustração. Além da dupla central, a coadjuvante Laura Dern roubou a cena em todos os momentos em que aparece. "História de um Casamento" é a união perfeita entre roteiro, direção e elenco.
- Parasita
O drama do sul-coreano Bong Joon-ho é, com certeza, um dos mais impactantes do ano. Com uma crítica social muito apurada, o filme mostra uma família pobre que se infiltra em um núcleo familiar de classe mais alta. No início, a narrativa estabelece um ritmo lento e instigante, que ganha intensidade quando segredos e mentiras começam a vir à tona. Por trás das aparências iniciais, "Parasita" revela um mundo de injustiças e incapacidade de olhar para o próximo, se colocando no lugar dele. O filme tem boas chances no Oscar 2020 e só aumenta o interesse do público pelo cinema feito na Coreia do Sul, que vem ganhando espaço nos últimos anos.
- Dor e Glória
Famoso pela capacidade de retratar as mulheres, Pedro Almodóvar brilhou, em 2019, com um protagonista masculino. Em "Dor e Glória", Antonio Banderas vive Salvador Mallo, um diretor de cinema assombrado por dores físicas e da alma, que o fazem, inclusive, se afastar da sétima arte. Uma coincidência faz com que Mallo revisite muitos acontecimentos do passado, como a infância ao lado da mãe, vivida pela ótima Penélope Cruz; e a descoberta de um grande amor. Muitas características da filmografia de Almodóvar estão presentes em "Dor e Glória", mas o diretor também traz elementos novos, que exaltam um amadurecimento do trabalho dele. Belo e cativante.
- Coringa
A versão do diretor Todd Phillips para o grande vilão dos quadrinhos fez barulho ao chegar às telas de projeção, gerando discussões e teorias sobre as discussões apresentadas pelo roteiro. Perturbadora, a história de "Coringa" vai além do personagem da DC Comics ao retratar uma sociedade perversa e doente, alimentada por históricos processos de violência e intolerância, que continuam produzindo ódio e injustiças. O trabalho do ator Joaquin Phoenix, que incorpora uma personalidade frágil e doentia, é fundamental para que as discussões propostas pelo longa tenham essa dimensão. Para aqueles que já questionaram os rumos do mundo em que estamos vivendo, "Coringa" é um choque necessário.
- Era Uma Vez... em Hollywood
Quentin Tarantino engrossou a fileira de diretores que, no ano que está chegando ao fim, mostraram maturidade e novas facetas em seus trabalhos. Com "Era Uma Vez... em Hollywood", o diretor segue apresentando uma escrita de muita qualidade e se aprofunda no desenvolvimento dos personagens e do clímax da história. Ambientada na Hollywood do fim dos anos 60, o longa foca nas incertezas da carreia de um ator inseguro e de um dublê, ao mesmo tempo em que acompanha os movimentos dos integrantes da seita comandada por Charles Manson. Leonardo DiCaprio, Brad Pitt, Margot Robbie se destacam em um roteiro cheio de boas participações especiais. "Era Uma Vez... em Hollywood" carrega o espírito de Tarantino, ao mesmo tempo em que mostra que o diretor ainda tem muito a mostrar.
- Dois Papas
Anthony Hopkins e Jonathan Pryce têm desempenhos acima da média interpretando os papas Bento XVI e Francisco em "Dois Papas", dirigido pelo brasileiro Fernando Meirelles. Inicialmente parecendo uma história sobre a Igreja Católica, o filme consegue ir além dos muros do Vaticano para falar sobre temas muito pertinentes aos dias atuais, como as mudanças pelas quais uma sociedade passa e a importância do diálogo e das opiniões diferentes. O encontro entre os dois papas representa quase que uma utopia em tempos de certezas e polarizações. Em "Dois Papas", o espectador é uma mosca que, através das lentes de Meirelles, testemunha uma transição importante para a Igreja e um exemplo fundamental para a vida.
- Democracia em Vertigem
A instabilidade política que tomou conta do Brasil desde o impeachment da presidente Dilma Rousseff é o foco de "Democracia em Vertigem", lançado pela diretora Petra Costa na plataforma de streaming Netflix. Falando sobre acontecimentos muito frescos na memória do público, a cineasta propõe uma visão ampliada sobre o jogo de interesses e a polarização que tomou conta da política brasileira. O documentário tenta expor as contradições que marcaram o governo do PT, os interesses políticos por trás do impeachment de Dilma e a ascensão de figuras políticas como Jair Bolsonaro, atual presidente da República. Diante de tanta polarização, nem todos encararam o filme como uma possibilidade de analisar o momento político atual, mas, quem conseguiu se livrar da visão limitada, encontrou uma boa oportunidade para isso.
- Bacurau
"Bacurau" é um filme complexo e instigante, daqueles que é necessário assistir mais de uma vez para tentar absorver todas as referências e reflexões. Os diretores Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles criaram uma história que se passa em uma pequena e fictícia cidade do Nordeste brasileiro. De uma hora para outra, o lugar começa a registrar alguns acontecimentos estranhos, como mortes, tiroteios e o aparecimento de drones, que, aos poucos, revelam um inimigo inesperado. Em um ano em que o cinema brasileiro foi tão maltratado, "Bacurau" surgiu para ressaltar as melhores qualidades da cinematografia nacional. "Bacurau" é aqui e daqui.
- Vingadores: Ultimato
A enxurrada de filmes de super-heróis levantou críticas e discussões sobre o mercado e o valor artístico dessas obras para o cinema. Não vou entrar tanto no mérito dessa questão, mas é, no mínimo, absurdo menosprezar a importância desses longas e encará-los com uma visão restritiva. "Vingadores: Ultimato" pode não ser nenhuma obra-prima de arte, mas faz plateias inteiras vibrarem e merece respeito por isso, ainda que faça parte de uma indústria que valoriza os lucros de bilheteria. O longa da Marvel se transformou no filme mais visto da história e concluiu a saga dos "Vingadores" entregando uma ótima homenagem ao gênero, valorizando toda a trajetória construída até aqui. "Vingadores: Ultimato" é cinema sim... e dos bons!
Comentários
Postar um comentário