Divulgação/Netflix |
Parece algo inocente e despretensioso no início. Uma pessoa se cadastra em uma rede social para se conectar com o mundo, se aproximar de pessoas e se divertir com os memes. Em seguida, passa a compartilhar fotos pessoais, localizações e seguir conteúdos que considera interessantes. O melhor é que tudo isso sai de graça, certo? Entre acertos e erros, "O Dilema das Redes", novo documentário da Netflix, surge com a proposta de mostrar exatamente que, de alguma forma e mesmo que não pareça, estamos pagando preços consideráveis pelo uso das redes sociais.
Se o acesso às principais redes sociais hoje é gratuito, como essas empresas lucram? O principal alerta feito pelo documentário é que nós somos os produtos comercializados por essas companhias bilionárias. Através das ferramentas de busca, cadastros e cliques em conteúdos sugeridos, estamos fornecendo dados que permitem traçar perfis muito precisos sobre as nossas personalidades, gostos e consumos.
"O Dilema das Redes" ouve profissionais que já passaram pelas principais empresas de internet do mundo e reforça o que não é nenhuma novidade: estamos sendo profundamente analisados e rastreados pelas "inocentes" redes sociais, que nos servem para postar fotos ou mensagens edificantes. Sem contar nada de novo até aí, o mérito do documentário está em detalhar de que forma isso é feito.
Os entrevistados mostram que, por trás de simples ferramentas criadas para essas redes, estão tecnologias extremamente avançadas desenvolvidas para além de identificar as preferências dos usuários. Elas também servem para desenhar o perfil psicológico e até o humor de quem está do outro lado das telas, usando essas informações contra quem as fornece.
O "preço" cobrado pelas redes sociais não é só o do fornecimento de dados. O documentário destaca os problemas de vício, ansiedade, depressão, isolamento e de cobranças estéticas que são estimulados pelas notificações, o imediatismo e as ilusões criadas pelas redes sociais.
A produção acerta ao fazer duas associações. A primeira é uma comparação entre essas ferramentas tecnológicas e os entorpecentes. "As pessoas só são chamadas de usuários quando falamos em drogas e em redes sociais", diz, mais ou menos com essas palavras, o documentário. Ainda há uma citação que compara as redes a um feitiço, um truque de mágica que é feito para enganar alguém.
Outro ponto interessante é o que mostra como são formadas as bolhas que afastam as pessoas umas das outras e das informações. Os algoritmos das redes sociais podem alimentar os usuários apenas com o que eles demandam, deixando-os restritos a quem pensa igual e mais suscetíveis às notícias falsas. A influência na polarização política também aparece como um mal dessas redes.
Enquanto se dedica a fornecer informações que servem de alerta para o espectador, "O Dilema das Redes" consegue se manter interessante. O documentário segue por um caminho errado, no entanto, quando utiliza encenações de atores e clichês roteirizados para retratar alguns dos conflitos que podem surgir pela influência negativa das redes sociais. Na tentativa de simplificar a mensagem, a produção cria uma ficção rasa que destoa de todo o resto.
O documentário também se prejudica pelo tom hipócrita que marca muitos dos depoimentos dados pelos entrevistados. Querendo dar a impressão de estarem fazendo um bem à humanidade, só conseguem transparecer falsos arrependimentos e preocupações com a sociedade. Teria sido interessante, por exemplo, que a produção questionasse as trajetórias desses profissionais até o momento da saída deles dessa "engrenagem". De posse dessas informações, talvez o público pudesse ponderar melhor o que é altruísmo e o que é ressentimento.
Tentando primar pelo realismo todo o tempo, "O Dilema das Redes" também derrapa no final, quando se omite em apresentar soluções consistentes para a influência negativa das redes. Ao invés disso, o documentário adota uma linha esperançosa e utópica que também não combina com o restante da narrativa.
Partindo de um alerta interessante e necessário, "O Dilema das Redes" perde muito da força quando cede a clichês e se escora em relatos pouco convincentes para tentar fazer o espectador assimilar mais facilmente o preço que está pagando para permitir, muitas vezes sem se dar conta, o monitoramento e o jogo psicológico impostos pelas redes que nos deixam cada vez mais presos.
O DILEMA DAS REDES
ONDE: Netflix
COTAÇÃO: ★★★ (bom)
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