"Os 7 de Chicago" expõe violações de julgamento do passado para nos chamar à indignação no presente

Divulgação/Netflix

O norte-americano Aaron Sorkin é um dos mais talentosos roteiristas quando se fala em criação de diálogos. É especialista em estabelecer falas intensas e inspiradas, que se transformaram em uma marca e são capazes da conferir especial interesse ao que acontece nas histórias levadas às telas. Por outro lado, Sorkin, que também é diretor, nem sempre acerta na construção das narrativas e é justo dizer que pouco se arrisca nas escolhas dos formatos de projetos encabeçados por ele.

"Os 7 de Chicago", novo trabalho do diretor e roteirista, chega à plataforma de streaming Netflix reforçando a qualidade dos diálogos de Sorkin e se apresentando como um dos trabalhos mais consistentes da carreira do cineasta, resultado atingido pela escolha certeira da forma de narrar os acontecimentos e, também, pela proposta de reflexão e indignação.

A trama do longa tem como foco o julgamento de oito réus acusados pelo governo dos Estados Unidos de incitar revolta contra a Guerra do Vietnã durante a Convenção Nacional do Partido Democrata, em Chicago, no ano de 1968. O título do filme e as menções ao episódio destacam apenas sete desses personagens por conta da exclusão de um dos réus do processo, mas o caso dele é igualmente relevante para as análises do fato.

Após a chegada do republicano Richard Nixon à Casa Branca e da saída do procurador-geral que servia ao governo de Lyndon Johnson, os oito réus são levados a julgamento por conta da revolta que ocorreu no evento de Chicago. Misturando vinganças pessoais e evidentes imposições de poder, o governo tenta construir uma narrativa para transmitir a mensagem desejada: a de que os manifestantes de oposição estavam conspirando e atentando contra a ordem.

O que se vê no julgamento a partir daí é uma sequência de revoltantes violações de direitos fundamentais a qualquer cidadão em um país democrático, a começar pelas atitudes do juiz Julius Hoffman (Frank Langella), que transforma o tribunal no palco ideal para as intenções do governo. Uma das vítimas desses desmandos é Bobby Seale (Yahya Abdul-Mateen II), ativista dos Panteras Negras incluído entre os acusados sem sequer ter participado do episódio.

Não tendo garantido um direito de defesa justa, por conta de decisões absurdas do juiz, Seale ainda enfrenta o preconceito racial da autoridade máxima do tribunal e do governo, que não disfarçam o racismo ao incluí-lo como acusado para interferir na opinião pública sobre o caso e na diferença de tratamento dada a ele, como, por exemplo, no momento em que o ativista é o único amarrado e amordaçado por protestar contra as decisões de Hoffman.

Divulgação/Netflix


O andar do julgamento faz com que o caso de Seale seja julgado separadamente, deixando apenas os outros sete réus à mercê dos abusos de autoridade cometidos ali. Em meses de julgamento, o governo utiliza todo tipo de estratégia e testemunha para provar que os posicionamentos políticos dos acusados, entre eles, Abbie Hoffman (Sacha Baron Cohen) e Tom Hayden (Eddie Redmayne), justificam as acusações infundadas de formação de quadrilha.

"Os 7 de Chicago" é uma história sobre um julgamento do passado, mas que acaba refletindo muito sobre abusos que sempre aconteceram e que, de uns tempos para cá, parecem ter ganhado força. O roteiro de Sorkin, construído para mostrar o andamento do julgamento e flashbacks de fatos citados no processo, evidencia violações cometidas por aqueles que ascendem ao poder sem qualquer apreço à liberdade, respeito às diferenças e aos direitos individuais, algo que, infelizmente, se faz cada vez mais presente nos noticiários de hoje.

A opressão dos contrários e das minorias pelo poder estabelecido é mostrada através dos episódios de brutalidade policial; racismo; manipulação e construção de narrativas; violações e interpretações judiciais convenientes; e tentativas de anulação de correntes de pensamento distintas por meio de instrumentos oficiais. Todos esses temas estão presentes nas nossas rotinas atuais e o filme serve como um alerta para sairmos da passividade diante de tamanhas injustiças.

Toda essa temática relevante ganha força com os diálogos construídos por Sorkin, que dão dinamismo e substância ao desenrolar do julgamento na tela. A forma como o diretor e roteirista constrói a narrativa não tem nada de arrojada ou nova, mas serve bem à história. No final, o que se vê é um filme coerente e instigante, um dos mais consistentes da carreira do cineasta.

O longa também se destaca pela qualidade do trabalho do elenco, com destaque para Frank Langella, Eddie Redmayne, Yahya Abdul-Mateen II, Mark Rylance e Jeremy Strong. A grata surpresa do filme é a interpretação de Sacha Baron Cohen, já apontado por alguns como possível indicado na temporada de premiações. Partindo de um raso estereótipo, o ator encontra uma forma de revelar a complexidade do personagem aos poucos. Sustentado pelo roteiro, Cohen leva o espectador a uma desconstrução progressiva de ideias preconcebidas, que vão sendo esclarecidas com a revelação dos acontecimentos.

Dedicado a expor violações de um famoso julgamento do passado, "Os 7 de Chicago" quer mais do que retratar uma injustiça histórica. O longa aproveita o fato de vivermos uma escalada de abusos cada vez mais frequentes e descarados, cometidos por aqueles que se incomodam com a liberdade de pensamentos e contestações, para nos tirar da zona de cansaço e comodismo e nos chamar à indignação, direito fundamental que devemos lutar para manter a todo custo.

OS 7 DE CHICAGO

ONDE: Netflix

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)


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