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Remakes de sucessos do cinema geralmente são bem arriscados. Projetos do gênero podem dar muito certo quando surgem de um genuíno interesse de agregar novas discussões ou pontos de vista, mas também podem resultar errado se nascem de vaidades artísticas, do desejo vazio de associar o nome de um profissional a determinada história. Esse último caso parece definir a existência da nova versão de "Rebecca - A Mulher Inesquecível", longa de Ben Wheatley disponibilizado na plataforma de streaming Netflix.
Apesar de ter como base o romance de Daphne du Maurier, a referência cinematográfica do remake é o clássico dirigido por Alfred Hitchcock, em 1940. Por conta disso, fica praticamente impossível não fazer uma comparação entre as duas obras e perceber o abismo que as separa, especialmente quando analisamos o tom e a profundidade dos personagens.
A versão 2020 de "Rebecca - A Mulher Inesquecível" traz Lily James no papel de uma humilde dama de companhia que se apaixona por Maxim DeWinter (Armie Hammer), um viúvo cobiçado da alta sociedade. Os dois passam um tempo juntos em Mônaco e decidem se casar. De uma hora para outra, a jovem é obrigada a mudar radicalmente o estilo de vida e morar em Manderley, a imponente propriedade do milionário.
Reservado, Maxim esconde da nova senhora DeWinter os detalhes da morte da antiga esposa, Rebecca. Quando chega a Manderley a recém-casada descobre que a mansão está exatamente do jeito que a falecida deixou, inclusive com retratos e objetos pessoais dela espalhados pelo local. Danvers (Kristin Scott Thomas), a governanta, faz questão de preservar a memória de Rebecca pela casa, deixando clara a fidelidade pela antiga patroa e o desprezo pela nova mulher do milionário.
Antes de falar qualquer coisa sobre a nova versão da história, é preciso pontuar algumas características do clássico dirigido por Hitchcock. Famoso pelos filmes de suspense que viria a dirigir depois, o cineasta britânico teve em "Rebecca" a primeira oportunidade no mercado norte-americano. Apesar da influência do produtor David O. Selznick no projeto, é possível perceber no longa muitos dos elementos que dariam ao diretor o título de "mestre do suspense".
No longa de 1940, Hitchcock imprime um tom denso e cria um suspense psicológico para a história da mulher que é assombrada pelas lembranças da falecida esposa do marido. O cineasta estabelece uma atmosfera quase claustrofóbica para que o espectador sinta o peso dos conflitos da protagonista, praticamente aprisionada e torturada na mansão onde vive o "fantasma" de Rebecca.
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Outro detalhe importante da versão de Hitchcock é a profundidade dos personagens, todos muito complexos e cheio de nuances que enriquecem a narrativa. Vivido por Laurence Olivier, Maxim carrega um ar dúbio e que faz transparecer sensações muito opostas. Ao mesmo tempo em que parece misterioso e fragilizado, o personagem revela atitudes machistas e violentas, características que deixam o espectador confuso sobre o caráter dele. A mesma riqueza de composição também aparece na protagonista de Joan Fontaine, que mescla perfeitamente força, humildade e insegurança.
Passemos, então, para o remake de 2020, completamente oposto ao resultado apresentado pelo primeiro filme. Agora, a história, que tinha muita personalidade, foi completamente desvalorizada pela proposta vazia de Ben Wheatley. O primeiro equívoco é o tom do longa, que abandona o suspense para dar lugar a um clima mais solar, característica presente na narrativa e na ambientação da trama. Esse descompasso resulta em uma versão artificial e sem personalidade, o que tira toda a força do roteiro.
Por falar em roteiro, é preciso destacar como a tentativa de "mastigar" ao máximo a história faz mal ao produto final. Na versão de 1940, tudo era mais insinuado, o que ficava nas entrelinhas enriquecia os diálogos e os acontecimentos. Agora, talvez para maior aceitação, os elementos são mais explícitos e os sentimentos ficam mais verbalizados, o que empobrece muito a trama. O roteiro de 2020 ensaia acrescentar discussões à obra clássica, mas elas são tão rasas que acabam ficando pelo caminho.
Ao contrário do trabalho de qualidade de Laurence Olivier e Joan Fontaine, Lily James e Armie Hammer erram feio na composição de protagonistas. Enquanto o ator passa muito longe de evidenciar as múltiplas camadas de Maxim, transformando-o em um galã fútil e exagerado, a atriz não consegue valorizar os conflitos da protagonista, o que faz com que o espectador não se envolva com o sofrimento dela. Kristin Scott Thomas, geralmente ótima, aqui aparece confortável em um tipo que já interpretou outras vezes e acaba com uma personagem que não tem a força que deveria.
Vazio em intenções, a nova versão de "Rebecca - A Mulher Inesquecível" é um filme equivocado e sem personalidade, que adota um tom de narrativa oposto aos elementos apresentados pela história. Sem conseguir imprimir a profundidade dos conflitos e personagens, o longa é absolutamente esquecível, ao contrário das lembranças de Rebecca em Manderley.
REBECCA - A MULHER INESQUECÍVEL (1940)
COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)
REBECCA - A MULHER INESQUECÍCEL (2020)
ONDE: Netflix
COTAÇÃO: ★ (ruim)
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