"A Assistente" e a crueldade de uma rotina de abusos

Divulgação/Amazon Prime Video

O movimento "#MeToo", iniciado por denúncias de abuso sexual contra o produtor Harvey Weinstein, causou um tremor de placas tectônicas em Hollywood e estimulou diversos protestos de atrizes contra condutas inapropriadas praticadas na indústria. Os relatos e as acusações vieram acompanhados de revisões de comportamentos e estimularam debates sobre práticas abusivas em outras áreas. "A Assistente", filme disponível no catálogo do Amazon Prime Video, é um resultado direto dessas discussões e um retrato angustiante sobre a crueldade nesses ambientes.

Escrito e dirigido por Kitty Green, o longa mostra um dia na rotina de Jane (Julia Garner), recém-contratada para trabalhar como assistente em uma produtora de filmes e séries. A profissional é a primeira a chegar no escritório, antes mesmo do sol nascer, e é a última a sair, sempre à disposição do chefe poderoso e influente.

Ao longo do dia, Jane faz café, imprime roteiros, organiza a agenda do chefe, providencia refeições, recebe os visitantes e reserva hospedagem e transporte para os profissionais que necessitam. Também é obrigada a executar atividades que extrapolam o escopo do cargo, como lidar com os problemas pessoais da esposa do patrão.

Visivelmente exausta com essa rotina, a assistente ainda sente os efeitos de um ambiente de trabalho nada saudável. Jane é alvo constante dos colegas, que, por trás de um aparente companheirismo, agem com desdém e atuam para colocá-la em situações constrangedoras. A funcionária também é humilhada pelo chefe, que faz questão de "esfregar" na cara dela o valor da oportunidade dada e utiliza discursos agressivos. A postura do patrão alimenta um ambiente cruel, que estimula outros comportamentos nocivos e produz absurdos como pedidos de desculpas vexatórios.

Como se não bastasse, Jane percebe que há algo de errado nas "reuniões" a portas fechadas que o chefe tem com atrizes em busca de trabalho e jovens que chegam à Nova York procurando uma oportunidade na indústria. A assistente decide procurar o departamento de recursos humanos para relatar o que vê, mas encontra pessoas e mecanismos que tentam acobertar os abusos rotineiros.

Divulgação/Amazon Prime Video

À primeira vista, "A Assistente" pode parecer um filme lento, com quase nenhum movimento, mas não se engane. Na verdade, o roteiro aposta em ações veladas, sutis, que nem sempre acontecem em primeiro plano. Isso tem um motivo: geralmente, abusos em ambientes de trabalho são disfarçados, acontecem nas sombras, nos cantos. Nesse sentido, é muito acertada a decisão criativa de não permitir que o espectador veja o chefe de Jane, apenas ouça a voz ou leia os e-mails escritos por ele.

Se, para o espectador, aquele é um dia na rotina de Jane, para a assistente é um dia a mais de impacto emocional causado pelos abusos. O público absorve indiretamente a carga que pressiona a protagonista e, para isso, é necessário prestar muita atenção nos gestos e nas reações de Julia Garner, ótima no papel da profissional psicologicamente afetada pelo ambiente de trabalho e pela cultura do silêncio que impera no escritório.

Através das atitudes do produtor influente e dos colegas de Jane, o longa chama atenção para tudo que permeia aquela relação profissional, como machismo, sexismo, impunidade e poder. Mais do que isso, o roteiro foca nos efeito brutais causados pela acumulação de toda essa carga. O resultado é angustiante e, infelizmente, está presente na realidade de muitas mulheres, em qualquer que seja a carreira.

"A Assistente" exige atenção aos detalhes, aos gestos, às entonações das vozes. Não é um filme de movimento, mas de ações pouco explícitas, que acontecem em segundo plano e revelam abusos físicos e psicológicos maquiados por uma cruel cultura do silêncio, que, apesar de ter perdido força, continua muito presente na rotina de ambientes de trabalho. A visibilidade dada pelo movimento "#MeToo" ajudou para uma revisão de atitudes, mas vigilância e posicionamentos de repúdio ainda são necessários para combater essas práticas.

A ASSISTENTE

ONDE: Amazon Prime Video

COTAÇÃO: ★★★★ (ótimo)


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