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Em uma época de negacionismo e de bolhas que criam realidades próprias, qualquer manifestação que reconheça o valor de acontecimentos históricos e científicos pode ser considerada uma importante contribuição para que o mundo não mergulhe em um caminho obscuro. "A Escavação", filme lançado na plataforma de streaming Netflix, faz isso até certo ponto, mas escolhas erradas do roteiro impedem que a obra chegue em outro patamar.
Adaptação do romance homônimo de John Preston, escrito a partir de acontecimentos reais, "A Escavação" começa com a contratação de Basil Brown (Ralph Fiennes), um arqueólogo independente que recebe a tarefa de escavar as terras de Edith Pretty (Carey Mulligan), uma viúva que vive com o filho em Sutton Hoo, no Reino Unido. Os trabalhos começam às vésperas da Segunda Guerra Mundial, quando tropas se organizavam para impedir os avanços da Alemanha de Adolf Hitler.
Enquanto os indícios da chegada da guerra são observados, Brown faz uma descoberta que pode mudar os rumos da História que os britânicos conheciam até aquele momento. Auxiliado por uma pequena equipe de um museu local, o arqueólogo encontra um navio de madeira e artefatos enterrados no vale que pertence às terras da viúva.
Rejeitando a ideia de que os objetos enterrados sejam de vikings, Brown é o primeiro a dizer que aquela descoberta tem origem anglo-saxônica e que isso mudaria o entendimento dos acontecimentos históricos. Percebendo a importância daquela escavação, representantes do British Museum vão ao local para tentar assumir os trabalhos e garantir que os artefatos sigam com eles.
À medida que as escavações seguem, Brown se aproxima da proprietária das terras e, especialmente, do filho dela, que vê no arqueólogo o mais próximo de uma figura paterna que ele pode ter. O menino também nutre carinho por Rory Lomax (Johnny Flynn), primo da viúva que chega para fazer registros fotográficos da descoberta enquanto aguarda uma convocação para a guerra.
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"A Escavação" tinha todos os elementos para estar à altura da descoberta histórica que retrata. O navio de madeira, encontrado no local em 1939, servia como uma espécie de túmulo e os artefatos enterrados ali modificaram a forma como os anglo-saxões eram vistos. Segundo reportagem da BBC, o povo era considerado primitivo até então, mas os objetos resgatados na escavação mostraram uma sociedade mais avançada e que valorizava as artes.
Mais do que isso, o fato de a descoberta ter sido feita às portas da Segunda Guerra Mundial também é relevante, uma vez que todos os objetos estariam ameaçados de destruição pelos nazistas ou de ficarem escondidos para sempre. O nome de Basil Brown é uma descoberta que pode ser considerada recente, uma vez que o arqueólogo autodidata e subestimado pelos colegas só ganhou reconhecimento pela escavação muito tempo depois.
Toda essa riqueza de detalhes e possibilidades não foi explorada pelo longa, que mantém o espectador interessado mais ou menos até a metade da história. Depois disso, escolhas erradas quase que apagam os acontecimentos históricos, impedindo que eles cheguem com força até o fim. O mesmo acontece com os personagens de Ralph Fiennes e Carey Mulligan, que acabam perdendo espaço para tramas paralelas inseridas sem necessidade.
A rotina de Brown e Edith na escavação, que alimenta uma aproximação pessoal, é deixada de lado com a chegada de Stuart (Ben Chaplin) e Peggy (Lily James), casal que passa a trabalhar na descoberta dos artefatos e que é inserido em um quadrilátero amoroso. A trama fica deslocada do resto do roteiro e mais parece um artifício para prolongar a duração do filme. Não acrescenta nada e contribui para tirar o foco da descoberta histórica.
Nos papéis centrais, Ralph Fiennes e Carey Mulligan entregam carisma e profundidade. Ambos conseguem destacar as nuances dos personagens com gestos contidos e falas mansas. Eles engrandecem as cenas em que aparecem. Os coadjuvantes também cumprem bem as funções na história.
"A Escavação" contava com um material muito vasto, que permitia inúmeras possibilidades ao roteiro. Tendo desprezado esses caminhos, o filme se perde do meio para o final e aposta em tramas paralelas desnecessárias, que não só tiram o foco dos personagens centrais como também desvalorizam a descoberta histórica. Essas escolhas erradas acabam jogando terra em acontecimentos que mereciam uma escavação mais funda e uma exposição de mais destaque para o público.
A ESCAVAÇÃO
ONDE: Netflix
COTAÇÃO: ★★ (regular)
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